Ao chegar à divisão entre as freguesias de Salamonde e Ruivães, avista-se, junto à estrada, um pequeno largo. Encosta-se o carro e espreita-se para lá dos rails de proteção. São as linhas de alta tensão que destoam da vista carregada da natureza que envolve o rio Cávado, na Albufeira de Salamonde. São essas linhas, que nos atravessam a vista, que sustentam as aldeias do Parque Nacional da Peneda Gerês, livres das altas torres de ferro que descaracterizam a paisagem. Tanto há a dizer, mas não é das linhas que quero falar.
Baixa-se o olhar e vemos os tubos metálicos de largo diâmetro que rompem pela encosta abaixo, culminando no Saltadouro que, outrora, foi uma das mais belas cascatas da região. Atualmente, destruída, sem encanto. Vive por lá a produção elétrica de uma mini-hídrica, mas também não é disso que quero falar.
Continua-se a bater a paisagem aberta que ali se tem em frente, com os contornos da Serra do Gerês a delimitar o início do céu azul. Espreita-se um pouco mais adiante, por baixo da Senra, e lá se vê o areal da praia fluvial que ainda não viu vida. Um espaço aprazível para se visitar, passar um dia em família, mergulhar nas águas aquecidas pelo sol e firmemente seguras pelo imponente paredão da barragem que mais a jusante se responsabiliza pela calmia da correnteza. Um espaço que os salamondenses merecem. Um espaço de excelência que tem tudo para fazer sucesso na aposta turística aclamada por todos. Não é, também, da praia que quero falar.
Um olhar atento, que nem de olhos cerrados precisa, consegue vislumbrar o verde que contrasta no típico azul da água doce da albufeira. Junto à margem esquerda do afluente rio Saltadouro, que se encontra, uns metros à frente, com o rio principal – o rio Cávado, é possível denotar um crescendo do esverdeado que parece nascer em terra. Fica a dúvida do que poderá ser. A inquietação de qualquer entusiasta da Natureza leva a um aperto no peito, um incómodo que obriga a confirmar se de um fenómeno natural de trata.
Segue-se a viagem e, junto à Capela das Almas de Rio Mau, a curva que nos guia ao destino leva-nos em direção ao Moinho Velho. Segue-se rumo à encosta da Senra. Mal desaparecem os últimos pinheiros que servem de cortina à direita de quem desce a estrada em terra, surge majestosamente a albufeira de Salamonde, guardada pela encosta de Ruivães, com a aldeia de Frades a mostrar-se ao longe. Segue-se pela insidiosa descida que, curva após curva, se faz aproximar da margem.
Lá em baixo, as calmas águas do Cávado conservam a submersa ponte do Saltadouro, palco de épicas batalhas nas Invasões Francesas.
Chegado à margem, seguindo o rasto verde das águas, lá se percebe que de natural aquela cor nada tem.
Chega-se, então, ao busílis deste relato de uma hipotética passagem pelas terras de Salamonde. Viu quem lá foi as descargas feitas diretamente para o rio. Diariamente, são largados os excessos de uma indústria num rio que tanto significa para os salamondenses e para toda a zona norte do nosso concelho.
Se o turismo é o motor da nossa região, atentados ambientais às nossas águas não podem ser permitidos. As instituições que gerem localmente a nossa sociedade devem agir. As entidades locais devem ir junto dos responsáveis, juntos das autoridades, procurar resolver o assunto. Não podemos desejar um desenvolvimento turístico das nossas terras se recebemos os forasteiros com descargas no rio. Não podemos desejar que Vieira do Minho seja uma referência no turismo nacional e, até, internacional, se permitimos que as nossas águas sejam marcadas pela turvação do verde sob azul. Não podemos permitir que as nossas águas sejam corrompidas, a troco de coisa alguma.
Às entidades ambientais, pede-se a atenção para este caso. São mais danosas para a natureza e para as comunidades as descargas efetuadas para o rio do que a construção de uma praia fluvial.
Em 1977, Fausto Bordalo Dias, cantautor beirão, nascido em alto mar, levantava-se contra a construção da central nuclear de Ferrel, no álbum “Madrugada dos Trapeiros”, com a música “Se tu fores ver o mar”.
E a música em tudo e nada de aplica a este caso. O exemplar povo de Ferrel não permitiu que se lhe fosse destruída a qualidade de vida em troca da produção de energia mais eficaz. A eficiência da produção acarretava elevados perigos, comprovados anos mais tarde no acidente nuclear de Chernobyl.
Desta luta, da qual Fausto Bordalo Dias fez parte, destaco algumas estrofes da sua canção que todos conhecem.
“Em Ferrel lá p’ra Peniche
Vão fazer uma central
Que para alguns é nuclear,
Mas para muitos é mortal.
Os peixes hão-de vir à mão,
Um doente outro sem vida,
Não tem vida o pescador.
Morre o sável e o salmão,
“Isto é civilização”,
Assim falou um senhor.
Tem cuidado!
Rosalinda,
Se tu fores à praia,
Se tu fores ver o mar,
Cuidado não te descaia
O teu pé de catraia
Em óleo sujo à beira-mar.”
Não se trata de Ferrel, não se trata de uma central nuclear, nem sequer se trata do mar, mas trata-se da conservação dos ecossistemas, do bem estar da população e do desenvolvimento das nossas terras.
Vamos continuar esta luta pela preservação do Cávado, tão rico e tão importante para as gentes de Salamonde e de todo o norte Vieira do Minho.
Se Salamonde sempre se conheceu pela força e união do seu povo, mais uma vez se provará que não estavam errados. Sempre pelo melhor para as nossas comunidades!