Tenho a certeza que hoje é um dia feliz para a grande maioria dos portugueses. Mais que não seja porque é feriado. E pronto, para alguns é só isso e é uma justificação totalmente aceitável para que o dia já seja mais feliz que o habitual. Ainda assim, parece-me importante perceber porque é que hoje merecemos a benesse (nem todos, bem sei) de não ir trabalhar.
Que o feriado de hoje celebra o dia de Portugal espero que não seja novidade para ninguém. Os mais distraídos, fiquem agora a saber que celebramos, também no dia de hoje, o dia de Camões e das Comunidades Portuguesas. E é precisamente na vida de Camões que encontramos o motivo pelo qual o dia 10 de junho é o escolhido para celebrar Portugal. Ou melhor, o que explica a escolha deste dia é mais precisamente a morte de Luís de Camões pois é a data apontada por grande parte dos historiadores como o dia da morte do poeta, no longínquo ano de 1580. No entanto, esta comemoração só aparece vários anos depois da morte do escritor.
O dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas é celebrado, como tal, desde 1977, três anos após a queda do regime do Estado Novo. Assim, esta data ganha especial importância porque se apresenta também como um símbolo da democracia, da qual muitos portugueses se viram privados durante os anos do domínio salazarista. Portanto, ainda que criticas haja a fazer ao estado atual do país, parece-me oportuno que dediquemos um dia a exaltar a nossa pátria. A exaltar tudo de bom que já fizemos e tivemos e tudo de bom que ainda temos e fazemos.
Normalmente, para grande parte do povo português, o que vem lá de fora é que é bom. Somos bastante críticos com o que temos e com o que somos. Tanto que muitas vezes nos esquecemos que também temos coisas que nos enchem (ou devem encher) de orgulho. Vou só realçar algumas que apesar de ser feriado sei que há quem tenha muito que fazer. Comecemos pelo Fado, a música que nos representa, que só tem sentido quando cantado na nossa língua, uma forma de expressão que é para muitos um modo de vida. Um refúgio onde imortalizamos a Saudade. Depois, a nossa gastronomia. Reconhecida internacionalmente pela qualidade que apresenta é muitas vezes mal avaliada por nós próprios. Petiscos e iguarias que enchem os olhos e consolam a barriga. Do prato para o copo, o nosso vinho. Da Madeira e do Porto – e não só – chegam vinhos que fazem as delícias de quem nos visita. A cada gole uma memória, a cada brinde uma recordação. Depois, temos os poetas – e a literatura em geral – é claro. Aliás, hoje recordamos Camões, provavelmente o maior entre todos. Poderíamos celebrar também Fernando Pessoa ou José Saramago – ou tantos outros. Através da escrita somos capazes de explicar o amor, de abraçar a primavera ou criar novos sentimentos. E temos ainda, apesar de nem sempre nos expressarmos da melhor maneira, um patriotismo que não se explica, sente-se apenas. Quando alguém que representa o nosso país conquista um grande feito, somos todos nós que o conquistamos. Observa-se isso no desporto por exemplo. Quando a seleção nacional conquistou o Euro 2016, quando um atleta olímpico conquista uma medalha, quando o Miguel Oliveira conquista um pódio, todos nós estamos presentes naquele momento em que se iça a bandeira ao som do hino. E nem precisamos de gostar de futebol ou de motociclismo. Simplesmente, quando ganha um, ganhamos todos. E é isso que é ser português.
Escrever sobre Portugal nunca é fácil, fica sempre algo por dizer. Porque Portugal é isso. É algo novo a cada dia. É uma história do passado que hoje ganha um novo sentido. E é sobretudo um orgulho imenso por aquilo que fomos e que somos, que fizemos e que fazemos e pelo que tivemos e que temos. Já fomos maiores? Já, mas continuamos a ser enormes! Já fizemos coisas que entretanto se foram perdendo? Claro, mas agora fazemos outras. E em muitas delas não há quem chegue aos nossos calcanhares. Já tivemos mais riquezas e mais poder? Sim, mas não vejo riqueza maior que ser português nem poder igual àquele que nós temos quando precisamos de lutar pelo que é nosso.
E já que hoje, além de Portugal, celebramos também Camões, recordemos o que disse o poeta acerca dos nossos feitos na segunda e terceira estrofe da epopeia d’Os Lusíadas:
“E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles, que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando;
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram:
Cesse tudo o que a Musa antígua canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.”