Abril é, desde 1974, sinónimo de Liberdade.
A queda do regime foi celebrada de norte a sul do país por todos os que se viram livres das amarras do fascismo, da Guerra Colonial, da censura e da PIDE. Foi o fim da opressão em Portugal.
Este ano, o 25 de abril já passou, mas espero não ter chegado tarde. Temo que abril esteja no fim. Há muitos que assim o mostram desejar: que seja o fim do progressismo no nosso país, que nos voltemos a afundar no obscuro poço do conservadorismo, de onde fomos saindo aos poucos, desde que Salgueiro Maia e todos os capitães de abril nos libertaram.
Foi dos dias mais relevantes da história de um país que, desde então, ainda não respirou democracia suficiente para compensar as atrocidades de 48 anos de ditadura. Somente durante o próximo ano se igualarão os tempos de liberdade aos de repressão. Mas esta igualdade só pode ser medida em unidades de tempo. Todo o resto são parâmetros que de nada vale a discussão. Houve um notável progresso na Educação, na Saúde, na Igualdade, na sensibilização para problemas concretos da sociedade que anteriormente não eram sequer tidos em conta. Em nada trocaria esta democracia – com os seus defeitos, é certo – pelos salazarismos de outrora. Nenhum malefício veio atrelado à liberdade quando comparado com os tempos da outra senhora.
De abril em abril, vão-nos tentando impingir a ideia de que a revolução foi um erro. Atiram-se críticas aqui e ali para fazer crer que o país está à deriva desde 1974, usam-se cravos descolorados para nos convencer de que a democracia está morta e precisa de ser renovada. Para essa renovação, fazem-se alusões a uma hipotética marcha sobre a capital para tomar o poder, em prol de uma IV República, como aconteceu em 1926, pelo general Gomes da Costa. A história dos 48 anos que se seguiram, entregues ao fascismo, todos conhecemos.
Durante estas quase cinco décadas, o povo português foi amarrado. Se fosse contra os ideais do regime, nada podia ser feito, nada podia ser dito. Muitos são, ainda, os que defendem o mote “Deus, Pátria, Família”. Não recrimino, desde que não o queiram impor aos seus semelhantes.
A democracia é, também, aceitar a diferença. Aceitar o catolicismo, mas também o islamismo, o judaísmo e outra qualquer religião. Até mesmo o ateísmo! Aceitar que cada história tem um enredo diferente e não há obrigatoriedade em seguir o mesmo rumo. Aceitar que todos somos diferentes e que isso não faz de nós menos iguais.
Os populismos que levam o povo a desacreditar de abril ganham cada vez mais força.
Como já referi numa intervenção anterior nesta plataforma, sou novo demais para recordar o fascismo salazarista, mas vivi anos de liberdade suficientes para perceber que não o quero de volta. Temo, no entanto, que a putrefação e o extremar de posições na política nacional e internacional nos retorne a tempos que não me permitiriam escrever esta opinião.
É já dia 30 e, apresso-me, então, a escrever, pelo receio de que abril acabe. Porém, mantenho-me sempre confiante de que nunca os seus valores se esvairão em palavras vazias de populistas que, do descrédito dos cravos, queiram vingar.
Para concluir, não podia faltar um excerto de um poema escrito por Sérgio Godinho e musicado por José Mário Branco – dois combatentes antifascistas, que lutaram através da música. “Eh! Companheiro” integrou o álbum “Margem de Certa Maneira”, de José Mário Branco, gravado em Paris e lançado em 1972.
Haviam fugido do país para escapar à morte numa guerra que não era sua. Uma guerra que apenas da prepotência, da ganância e do egoísmo de um ditador se mantinha e se fazia prolongar. Por lá, caíram muitos corpos inocentes, com muita vida por viver. Eram enviados à sua sorte e à sua morte.
Volvidos dois anos, desde o lançamento do álbum, Sérgio Godinho e José Mário Branco ver-se-iam libertados, podendo voltar a terras lusas sem medo das represálias.
Fez-se abril para todos! Mesmo para aqueles que o desdenham. Mas a esses, abril nada deve.
“Eh! Companheiro, resposta!
Resposta te quero dar.
Só tem medo desses muros,
Quem tem muros no pensar.
Todos sabemos do pássaro,
Cá dentro a qu’rer voar.
Se o pensamento for livre,
Todos vamos libertar!
Eh! Companheiro, respondo!
Respondo do coração.
Ser sozinho não é sina
Nem de rato de porão.
Faz também soprar o vento,
Não esperes o tufão.
Põe sementes do teu peito
Nos bolsos do teu irmão!
Eh! Companheiro, vou falar!
Vou falar do meu parecer.
Vira o vento, muda a sorte.
Toda a vida ouvi dizer:
Soprou muita ventania,
Não vi a sorte crescer.
Meu destino é sempre o mesmo
Desde moço até morrer!
Eh! Companheiro, aqui estou!
Aqui estou p’ra responder.
Sorte assim não cresce à toa,
Como urtiga por colher.
Cresce nas vinhas do povo,
Leva tempo a amadur’cer.
Quando mudar seu destino,
Está ao alcance de um viver!”