Uma aventura chamada Alentejo

Ao acompanhar o meu cunhado e amigo Victor Fernandes, que por motivos profissionais teve de se deslocar ao interior do Alentejo, proporcionou-se uma viagem que, há muito, ansiava.

O luar, numa noite estrelada, abrilhantou a nossa entrada no Alentejo e, em Ponte de Sor, tivemos uma gloriosa recepção.

Uma lebre, fazendo jus à fama de boa corredora, ziguezagueou, durante vários minutos, na frente do automóvel até encostar, fatigada, a um sobreiro. A nossa Árvore Nacional continuou a ladear a estrada.

Chegamos a Avis. Antes de pegarmos nas malas, tivemos duas certezas em relação aos próximos dias: seremos vigiados por magníficos castelos e as planícies douradas emoldurarão a paisagem, pinceladas de oliveiras, sobreiros e azinheiras.

Serve como despertador o calor que sacode o corpo. Acordar no Alentejo, no mês de Junho, é esperar um clima quente e seco, com 35 graus de temperatura, ou mais, ao longo do dia.

O Victor teve de levar o computador portátil e avançou com as aulas. Eu levei a bicicleta; enchi o bidão com isotónico e pedalei até ao Castelo de Evoramonte.

Depois de subir a difícil Serra d’Ossa, onde os quatro torreões cilíndricos saltam logo à vista, entro na Porta do Sol (uma das quatro portas que rasgam as muralhas do Castelo) com ritmo cardíaco de 182 batimentos, por minuto.

Tento controlar a respiração para, logo depois, sorver história dos séculos XII e XIX: por volta de 1160, depois de oferecer a sua habilidade e coragem a D. Afonso Henriques, o aventureiro Geraldo sem Pavor liderou a conquista aos mouros desta e de outras terras alentejanas e, no dia 26 de Maio de 1834, a Convenção de Evoramonte finalizou a guerra civil que sangrou Portugal, opondo absolutistas a liberais.

Antes de regressar a Avis, deleito as incríveis vistas panorâmicas, onde o encanto não tem fim.

É a hora do almoço, o momento de continuar a repor os sais minerais que perdi na actividade física.

Os maravilhosos produtos da região rechearam a mesa. O queijo de ovelha curado chegou com o Victor de Sousel. O azeite virgem extra joga em casa, é de Avis. O pão, com côdea rija e miolo compacto, veio de Alter do Chão e será uma companhia, nesta, e nas próximas refeições principais. Faltou o vinho. A Amália Rodrigues já tinha cantado: “Numa casa portuguesa fica bem / Pão e vinho sobre a mesa”.

Com os corpos revigorados, o néctar dos deuses foi saboreado, na parte da tarde.

Em duas quintas, uma localizada em Sousel e outra em Estremoz, tropeçamos em vinhos sedutores, feitos com a mesma paixão que encontrei, há anos, no Douro. Brindamos ao Alentejo e batemos palmas às castas Antão Vaz e Alicante Bouschet. Uma garrafa foi para a bagageira, objectivando abri-la no Inverno, quando umas Couves com Feijões repousarem na mesa. 

Já no centro de Estremoz, surge a oportunidade de comermos o doce Pão de Rala. Trinco esta maravilha e imagino-me no século XVI, a ver o alvoroço que surgiu, na cozinha do Convento de Santa Helena do Monte Calvário, em Évora, com a visita anunciada de D. Sebastião. Não havia muito para lhe dar e lá teve que se servir do que havia: “pão ralo”, azeitonas e água.

Sua Majestade ficou surpreendentemente agradada, não negando uma evidência, e, depois, ajudou o convento.

A felicidade das irmãs foi tanta que criaram o Pão de Rala (um “milagre” com ovos, amêndoa e chila, acompanhado com “azeitonas” de maçapão e escurecidas com cacau). A felicidade perdurou e, passados cerca de 450 anos, atingiu dois minhotos!

Continuamos em Estremoz, a “cidade branca”. Casario branco e forte produção de mármore. Com a boca ainda adocicada, anoto a altura da Torre de Menagem: 27 metros. Construída em mármore, é de uma beleza estonteante.

Olhamos para as terras que nos circundam.

Há uma ligação íntima à história de Portugal. Aqui perto, as terras serviram de palco a uma batalha decisiva para a independência do nosso país, a Batalha de Montes Claros. Tal êxito também contou com a bravura de três mil e quinhentos homens transmontanos que deve ter baralhado as contas de Marquês de Caracena.

Estremoz respira, igualmente, amor. Aqui faleceu a Rainha Santa Isabel. Tinha um coração do tamanho de Portugal e, com ou sem rosas, foi amada pelo povo.

A viagem pelo Alentejo ainda não terminou. Um artigo posterior continuará com os registos de um território que orgulha Portugal.

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